O Sono
O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Poema de um desesperado
Quero dormir
Não quero pensar
Que existe crianças
Morrendo de fome
Idosos vivendo nas ruas
Doentes morrendo de câncer
Não quero saber de nada
Só quero dormir
Dane-se as guerras
Os mutilados
Dane-se os bolsões de miséria
Dane-se os hospitais públicos
Dane-se o SUS
A Educação falida
Dane-se a Amazônia
O Pantanal
O Meio Ambiente
Só quero dormir
Maldito são os políticos
Os religiosos
Ladrões de almas inocentes
Dane-se os idiotas
Só quero dormir
Esquecer que tudo isto existe
Que a Terra não é Terra
Que o inferno é aqui
Só quero dormir
Danem-se todos
Mas na verdade
O que eu queria mesmo
Que este Planeta
Fosse de paz e de amor
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